Norma estabelece que o contribuinte só pode contestar pedido negado de restituição e compensação tributária de até 60 salários mínimos
A Receita Federal pode começar a barrar recursos ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) para tentar reduzir o contencioso administrativo fiscal de pequeno valor. O órgão publicou norma para estabelecer que o contribuinte só pode contestar pedido negado de restituição e compensação tributária de até 60 salários mínimos (R$ 62,7 mil) em Delegacia Regional de Julgamento (DRJ) - formada apenas por representantes da União.
A medida está na Instrução Normativa nº 1993, que regulamenta a Portaria nº 340, editada em outubro pelo Ministério da Economia. A norma, que trata do funcionamento das delegacias de julgamento e do contencioso de pequeno valor, previa a edição de atos complementares para a sua aplicação.
Caso a empresa não consiga reverter a situação em uma DRJ, o valor é inscrito na dívida ativa da União. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) poderá, então, ajuizar execução fiscal de cobrança.
Para Gabriel Baccarini, do escritório Cascione Pulino Boulos Advogados, a IN 1993, em vigor desde o dia 24 de novembro, viola os direitos do contribuinte ao duplo grau de jurisdição e ao devido processo legal. “O Tribunal de Impostos e Taxas [TIT] de São Paulo, que é o tribunal administrativo paulista, também tem uma limitação, mas o teto é bem mais alto, de cerca de R$ 500 mil”, afirma o advogado.
Ele destaca que a impossibilidade de recurso ao Carf vale apenas para processos sobre restituição ou compensação de até 60 salários mínimos. “Com relação aos outros processos administrativos tributários, por exemplo, aqueles relativos à cobrança decorrente da lavratura de auto de infração, deverá ser promovida alteração do Decreto nº 70.235/1972, que regulamenta o processo administrativo fiscal”, diz.
A limitação imposta pela Receita é perigosa mesmo para empresas de grande porte, conforme o tributarista Luca Salvoni, do mesmo escritório. Isso porque, em geral, uma mesma companhia recebe várias pequenas cobranças de compensação não homologada, que não poderão mais ser contestadas no Carf. “Por isso, somadas, elas terão capacidade de gerar caixa mais rapidamente para a União”, afirma o advogado.
Sócio fundador do HRD Advocacia e Consultoria, Hugo Reis Dias diz que, ao materializar a restrição de acesso ao Carf, a instrução normativa é ilegal. “A norma impacta os direitos dos contribuintes à ampla defesa e ao contraditório nos processos de pequeno valor”, afirma.
Na prática, segundo Dias, a medida impede o julgamento de recurso por um tribunal paritário (composto por representantes do Fisco e dos contribuintes), a participação efetiva de advogados (na DRJ não é possível fazer sustentação oral) e a revisão do julgado por instância independente (diversa da que proferiu a decisão recorrida).
Fonte: Valor Econômico