Carf: não incide IRRF sobre transferência de valores a beneficiário identificado

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A tributação foi afastada após a aplicação do voto de qualidade pró-contribuinte. Tema consta em casos da Lava Jato

O julgamento, que ocorreu no dia 19 de janeiro, foi decidido pelo voto de qualidade pró-contribuinte, metodologia implementada pela Lei do Contribuinte Legal (13.988/2020). A norma prevê vitória dos contribuintes em caso de empate na votação de processos no conselho.

De acordo com a tese vencedora, a partir do momento da identificação do beneficiário o fisco pode verificar se, de fato, houve omissão de pagamento e, consequentemente, tributar a empresa envolvida. “Em várias experiências, seja com a Lava Jato ou não, a autoridade fiscal tende a autuar todos os intermediários envolvidos, sejam pessoas físicas ou jurídicas”, explicou a conselheira Gisele Bossa, autora do voto vencedor. Para ela, não está em discussão a licitude ou ilicitude da causa do pagamento para fins de incidência do IRRF, mas somente se os valores recebidos pelo beneficiário estão sujeitos à tributação.

Para os conselheiros dos contribuintes, a cobrança de IRRF deve ocorrer quando o beneficiário não é identificado, como por exemplo em empresas de fachada, situação que impossibilita a apuração do fisco de possível omissão de pagamento.

“A causa da operação ser lícita ou ilícita é irrelevante, pois conhecendo a verdadeira receptora dos valores e evidenciada que a causa foi o pagamento de propina, cabe à autoridade fiscal averiguar se os valores foram devidamente oferecidos à tributação”, explicou Gisele Bossa durante a votação do processo.

Segundo ela, a causa do pagamento é importante “tão somente para determinar se os valores recebidos pelo beneficiário estão sujeito à tributação ou se configuram mera transferência patrimonial, que se encontra fora o âmbito de incidência do IR”. A conselheira concluiu que o legislador não “colocou em pauta a licitude ou ilicitude da causa do pagamento para fins de incidência do IRRF”.

No caso em debate, a empresa Fazenda Ribeirão Hotel de Lazer contratou a companhia Barra do Piraí Promoção de Eventos para a prestação de determinados serviços. Entretanto, a Receita Federal cobrou a alíquota de 35% do IRRF sobre os pagamentos realizados por entender que a recorrente não comprovou na documentação a causa e o motivo do pagamento.

Segundo o relatório da fiscalização, a empresa teria apresentado apenas recibos indicados como “referente ao pagamento de serviço prestado no mês”, sem detalhar a natureza do pagamento.

A alíquota de 35% do IRRF consta no artigo 61 da lei 8.991/1995, que estabelece a incidência do tributo sobre “todo pagamento efetuado pelas pessoas jurídicas a beneficiário não identificado”, e também sobre pagamentos efetuados ou recursos entregues a terceiros, sócios, acionistas ou titular, “quando não for comprovada a operação ou a sua causa”.

A Fazenda Ribeirão Hotel de Lazer defende nos autos que a contratação da empresa de eventos ocorreu pela facilidade logística da operação, já que existiria um “baixo custo global do serviço”, e que o quadro de 20 funcionários está em uma cidade próxima ao hotel, facilitando a prestação dos serviços.

Segundo o relator do processo, conselheiro Efigênio de Freitas Júnior, “não basta apresentar recibos. Nem mesmo o recibo apresentado identificou o serviço prestado. A causa [do pagamento] precisa ser comprovada”, afirmou.

O relator foi acompanhado pelo presidente da turma, conselheiro Neudson Cavalcante Albuquerque. Para ele, a recorrente precisaria oferecer uma prova mais eficaz de que o serviço da empresa de eventos foi de fato prestado.

“Estamos falando de uma pessoa jurídica, criada e permitida a atuar para determinada finalidade. Se a causa do pagamento faz parte da atividade empresarial, então faz parte do espaço de liberdade da pessoa jurídica”, afirmou. Para ele, no caso em discussão, não é possível comprovar a natureza do pagamento.

Entretanto, os conselheiros dos contribuintes votaram contra o posicionamento dos representantes da Fazenda. “Não podemos admitir que o tributo figure como instrumento de sanção, sob pena de clara violação ao artigo 3º, do CTN”, afirmou a conselheira Gisele Bossa.

Para ela, a não tributação pelo IRRF nesse caso não significa deixar de tributar os valores. “Diante da constatação desses pagamentos, deve a fiscalização averiguar se os receptores declararam corretamente tais pagamentos e se os valores foram oferecidos à tributação, autuando eventual omissão de receitas”, explicou em seu voto.

Foram vencidos na votação os conselheiros Efigênio de Freitas Júnior, Wilson Kazumi Nakayama e Neudson Cavalcante Albuquerque, que negaram provimento ao recurso da contribuinte.

Lava Jato
A tese em discussão pelo colegiado também consta em casos da Lava Jato, como aconteceu no processo 13888.725189/2017-15, que envolve a Odebrecht. No caso, julgado pela mesma turma, a tese que afasta a tributação foi vencida por maioria de votos.

Prevaleceu o entendimento de que é necessário “verificar se a operação e a causa do pagamento foram comprovadas. Não comprovada a efetividade do negócio jurídico ou a causa do pagamento o lançamento também é devido”.

A ação fiscal teve origem da Lava Jato, onde a recorrente “celebrou contratos tanto com pessoas jurídicas inexistentes (‘laranjas’) como com empresas ‘reais’, visando irrigar financeiramente agentes por meio do pagamento de propinas”.

 

Fonte: Jota

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